Conheça a história que inspirou “Maria”, livro infantojuvenil sobre Alzheimer

Conheça a história que inspirou “Maria”, livro infantojuvenil sobre Alzheimer

O livro Maria, de Larissa Ramalhoso, nasceu de uma vontade profunda de homenagear a avó da autora. Com ilustrações delicadas de Isabel de Paiva,  traz o tema do Alzheimer para o universo infantojuvenil de forma sensível e acessível. Na entrevista, a autora compartilha as motivações que guiaram a criação da obra e os desafios de abordar um tema tão complexo com as crianças e adolescentes.

A obra, lançada pela Editora Enleio em parceria com o Instituto Não Me Esqueças, a Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz) e Lãs Pingouin, destina parte das vendas para apoiar os serviços gratuitos prestados pelo Instituto a pessoas que vivem com demência e seus familiares.

Para marcar o lançamento foram organizados dois eventos em Londrina: no dia 18 de outubro (sexta), uma roda de conversa no SESC Cadeião, às 19h, e no dia 19 (sábado), às 10h30, a contação da história na Loja Ciranda.

O livro Maria está à venda na sede do Instituto Não Me Esqueças (Rua Paes Leme, 569, Londrina) e no site da Editora Enleio, com a opção de adquirir o kit Maria + Lacinho da Vovó que vem com agulha, linha e um guia para fazer correntinhas. Leia a entrevista a seguir e descubra mais sobre essa emocionante jornada de escrita e as lições que Maria oferece aos leitores de todas as idades.

Como surgiu a ideia do livro “Maria”?

Larissa Ramalhoso –  O livro surgiu de um desejo meu, talvez até de uma necessidade de homenagear Vovó Maria, simples assim. Vovó lia muito.  Eu tenho memórias afetivas de ir com ela  até a  biblioteca municipal,  de voltar com vários livros, pra mim e pra minha irmã. Lembro da estante da casa dela, que tinha vários livros da Agatha Christie que, conforme eu fui crescendo, fui lendo. Vovó era muito leitora e incentivadora do prazer em ler, por isso o livro me pareceu a melhor maneira de homenageá-la. Tem o fato também de que a primeira coisa que a doença de Alzheimer afetou nela foi a linguagem. Então uma maneira de resgatar o amor pela literatura, a linguagem e esse carinho que ela sempre me deu , foi fazer essa homenagem.

O livro foi além da homenagem, ganhou outra dimensão. Como isso se deu?

Larissa Ramalhoso –  Eu tinha uma primeira versão do livro no início de 2024 e mandei pra Cristiane Boneto, da Editora Enleio. Expliquei que queria publicar apenas pra homenagear. Ela leu, se emocionou e falou que “Maria” poderia render mais do que eu estava imaginando. Nós duas começamos a estudar um pouco mais sobre o Alzheimer, entramos em contato com a Febraz, conhecemos a Elaine Mateus, presidente da Febraz e fundadora do Instituto Não Me Esqueças, para conseguir informações. Para resgatar o crochê que a Vovó fazia, conversamos com a  Lãs Pingouin e ganhamos uma parceria. Enfim, fomos nos cercando de pessoas desse universo que o livro fala e aprendendo cada vez mais sobre as demências e até sobre crochê (rsss). Tudo isso foi se juntando e gerando  projetos que estamos desenvolvendo a partir da leitura do livro.

Como está vovó Maria? Como foi a descoberta da doença de Alzheimer?

Larissa Ramalhoso –  O diagnóstico foi em 2016, ela tinha 78 anos. Certamente havia já anteriormente alguns sintomas iniciais que muitas vezes ignoramos. Pensávamos que ela estava brava porque era o jeito dela, que esqueceu a medicação  porque estava muito nervosa, ignoramos a falta de cuidado com os cuidados pessoais, o banho, a roupa… Quando ela foi diagnosticada começou com medicação, mas a doença segue seu curso. Ela enfrentou a dificuldade com a linguagem, mas ainda reconhecia as pessoas, tentava se comunicar. Hoje, quase 10 anos depois, ela chegou ao estágio mais avançado e precisa de cuidado em tempo integral. Eu acho que o livro só veio agora,  porque processo de aprender a lidar com as demências é complicado. Pouco se fala no assunto, o Alzheimer ainda é  um grande desconhecido. Talvez a minha maneira de lidar com isso tenha sido é escrever um livro. Cada pessoa encontra um caminho pra isso, a Elaine Mateus, por exemplo, fundou o Instituto Não Me Esqueças.

Quais foram os desafios que vocês encontraram depois do diagnóstico da sua avó?

Larissa Ramalhoso –  A maior dificuldade quando se tem um diagnóstico de Alzheimer na família é lidar com o  desconhecido. Falta informação para a população em geral sobre as demências, como de desenvolvem, o que podemos  fazer pra ajudar, como aprender a ajudar. Eu gostaria de  ter conhecido os materiais do Instituto Não Me Esqueças quando minha avó estava no estágio inicial. Eu teria mais estrutura para ajudá-la. Precisamos entender como a doença evolui, saber lidar com as emoções.  Afinal você vê as memórias da pessoa se esvaindo, as histórias de vida, o que nos faz ser quem somos. Quando  a pessoa deixa de reconhecer os familiares, as pessoas próximas, é um luto. Isso não é linear, mas acontece. Isso tudo é muito complexo e acho que o livro vem nesse sentido. Se para nós, adultos, já é complicado de entender e lidar, imagina para uma criança de 4, 5, 6 ou 10 anos? Como ela vai perceber isso? Um adulto que perde as memórias. No livro há uma ilustração muito delicada, criada pela Isabel de Paiva. Ela representa as memórias como bolhas de sabão. Eu penso que é a representação mais concreta para uma coisa que não é concreta. As memórias existem, mas explodem no ar. É uma metáfora bastante interessante sobre  o que acontece com as memórias  da pessoa que vive com Alzheimer. Por isso o livro tem esse potencial de  favorecer essa conversa com a  criança que está acompanhando esse processo com o avô, a avó, o tio, o conhecido.

A ideia é levar o livro para as escolas?

Larissa Ramalhoso –  Sim, para as escolas a proposta é um projeto de resgate de memórias que inclui o livro e o crochê. Já tivemos algumas experiências com crianças contando que a avó ensinou ou faz crochê, é uma  referência. Nós variamos a abordagem de acordo com a faixa etária, mas é um resgate de memórias a partir da leitura do livro e do crochê.

Pra terminar, conta um pouco sobre o projeto dos quadradinhos de crochê.

O projeto se chama  “Entrelaçando as gerações” e convida as pessoas a fazer um quadradinho de crochê, de 20 por 20 cm,  e enviar a pontos de coleta como o Instituto Não Me Esqueças. Os quadradinhos coletados serão unidos pelas ONGs formando mantas para idosos que vivem em instituições de longa permanência. É um carinho, um aconchego, além de um prazeroso fazer coletivo muito potente.

Larissa Ramalhoso
Larissa Ramalhoso é escritora, editora de materiais didáticos, matemática e professora.
Isabel de Paiva
Isabel de Paiva, ilustradora do livro

Add a Comment

Your email address will not be published.

19 − two =