Cuidar até o fim: o que os cuidados paliativos oferecem a quem vive com demência
Convidamos a médica Ana Carolina Kotinda Bennemann, que se especializou em cuidados paliativos e atua em Londrina, para dar uma palestra e tirar dúvidas sobre o tema. Diante de um auditório formado por pessoas que vivem com demência, familiares e profissionais, ela falou sobre dignidade, alívio do sofrimento e escolhas possíveis para todos que enfrentam uma doença crônica.
Dra. Ana Carolina começou contando como chegou aos cuidados paliativos ainda na residência em São Paulo, ao lidar com pacientes em situação de grande vulnerabilidade social. Da experiência nasceu uma pergunta incômoda, “eu estou tratando a doença, mas estou realmente ajudando essa pessoa?”. Foi esse questionamento que a levou a buscar formação específica. “Dentro do cuidado paliativo a gente se preocupa com sofrimentos de modo geral: físicos, mentais, emocionais, sociais e espirituais”, explicou, lembrando que antes de realizar desejos e “grandes gestos”, é preciso controlar dor, falta de ar, náusea e outros sintomas que tiram a vontade de viver o dia de hoje.
Ao longo da palestra, ela desfez um dos mitos mais comuns, o de que cuidados paliativos são apenas para os “últimos dias” ou restritos ao câncer. Segundo a especialista, essa abordagem pode e deve estar presente em doenças crônicas que ameaçam a continuidade da vida, como as demências. O encaminhamento ideal, destacou, é feito no momento do diagnóstico. “O geriatra, o neurologista vai cuidar da doença de Alzheimer; o paliativista vai cuidar da Maria, que foi diagnosticada hoje, da Joana, que é filha dela e vai ser cuidadora, e do seu Mário, que é o esposo.” O foco desloca-se da doença para a história de vida que continua acontecendo, mesmo depois de um laudo.
Essa visão também muda a forma como enxergamos a pessoa que vive com demência. Para a médica, ninguém “vira paciente em tempo integral”. A pessoa segue sendo mãe, avó, vizinha, atriz do grupo de teatro, amigo de longa data. Reconhecer esses papéis é parte do cuidado, assim como ouvir o que ainda faz sentido para ela como vestir-se com certa roupa, rezar, ouvir uma música da juventude, tomar café na varanda em vez de permanecer o dia todo na cama.
Ao se aproximar do fim da vida, o que está em jogo não é apenas prolongar dias, mas garantir que esses dias continuem fazendo sentido. No encerramento, Ana Carolina retomou uma frase da médica britânica Cicely Saunders, pioneira em cuidados paliativos: “O sofrimento só se torna intolerável quando ninguém cuida.”
Quem não participou do evento realizado na AML Cultural e aberto à comunidade, pode assistir a palestra completa no canal do Instituto Não Me Esqueças no YouTube. Vale a pena!